Nossa Cidade


Miguel Pereira possui uma história própria. É a história de uma cidade construída por trabalhadores, mas nunca governada para os trabalhadores. Apenas conhecendo a nossa história, poderemos lutar para conservar os elementos de identidade e cultura do município, mas, sobretudo, também para transformar as condições econômicas e de vida do povo miguelense.

Uma cidade construída pelo povo, mas também para o povo. Esta é a Miguel Pereira pela qual lutamos.

O PSOL Miguel Pereira entende que para servir de instrumento para os trabalhadores miguelenses na luta contra a burguesia (local, ou de fora) que os explora, e contra os governos de ocasião que os oprimem, é preciso promover uma ampla campanha de resgate da história e da memória da cidade.

Apenas a partir de uma ampla compreensão da formação social da cidade e das lutas de classes que a configuram, podemos atuar de maneira radical e estratégica na atual conjuntura para fazer avançar a organização e a força dos trabalhadores rumo ao poder político.

Aspectos geo-históricos

Miguel Pereira é um município do interior centro-sul do estado do Rio de Janeiro, localizado a 116 km da capital, e que conta com uma população de 26.578 habitantes.

É um dos quinze municípios do assim chamado “Vale do Café”, região do Vale do Paraíba do Sul Fluminense que, na década de 1860, chegou a produzir 75% do café consumido mundialmente. Durante o ciclo econômico do café no Brasil (1840-1930), as terras de Miguel Pereira, ainda então subordinadas ao município de Vassouras, foram palco da expansão das lavouras cafeeiras movidas por força de trabalho escravizada. Herança ainda hoje registrada em alguns locais de memória da cidade, mas sobretudo pela forte presença de religiões de matriz africana, e pelo coronelismo ainda vigente nas relações sociais e na vida política municipal.

Apesar de se constituir um fator de progresso e dinamização da economia local, o ciclo do café não beneficiou a região com praticamente nenhum desenvolvimento urbano. Este só viria a ser impulsionado no início do século XX, quando foi aberta a linha férrea. O eixo ferroviário estimulou o nascimento de povoações que, em sua maioria, abrigavam os próprios trabalhadores da ferrovia. Este é o caso de Governador Portela (hoje 2º Distrito de Miguel Pereira), onde parte das áreas urbanas era de propriedade da Rede Ferroviária Federal (RFFSA), que construiu toda uma vila residencial destinada aos ferroviários.

A urbanização das áreas adjacentes à estação de Estiva (hoje 1º Distrito de Miguel Pereira) teria lugar a partir da década de 1930, quando as qualidades do clima da região foram propagadas pelo médico e professor Miguel Pereira, que, mais tarde, daria seu nome à cidade. Desde então, a ocupação urbana teria, como vetor principal, o turismo de veraneio, que atraía e ainda atrai a população da Região Metropolitana do Rio de Janeiro. O acesso original pela ferrovia seria acompanhado na década de 1950 de uma rodovia, cuja pavimentação posterior representou grande estímulo ao desenvolvimento urbano e turístico da área.

Segundo a divisão administrativa de 1943, o município de Vassouras era formado por onze distritos, dentre os quais os de Miguel Pereira, Governador Portela e Conrado.  Em 1955, os dois primeiros distritos foram desmembrados de Vassouras, a fim de formar o município de Miguel Pereira, que, assim, conquistou a emancipação. Em 1988, Conrado também foi anexado a Miguel Pereira, conformando a atual administração municipal com esses três distritos, sendo o primeiro hoje o próprio centro de Miguel Pereira.

Aspectos socioeconômicos

A privatização da rede ferroviária durante o governo FHC marcou uma ruptura histórica no município. De uma hora para outra, a classe trabalhadora miguelense foi despojada quase inteiramente da sua forma operária. A partir de então, e até os dias de hoje, os trabalhadores do município passariam a ser divididos em dois grandes contingentes principais: comerciários e funcionários públicos.

O PIB do município é revelador neste sentido. No ano de 2022, de um produto total de R$ 555.411,68, o setor de comércio e serviços privados foi responsável por 50,84%, os serviços públicos foram responsáveis por 40,16%, enquanto a indústria ficou com apenas 7,9% e a agropecuária com 1,1%. Ou seja, do ponto de vista da produção, fica evidente o protagonismo do setor comercial, mas também do Estado. Do ponto de vista do trabalho, temos 28% da população ocupada como servidores públicos; enquanto 43% trabalham no comércio; e o restante se divide em agropecuária, pequena indústria, e “ocupações mal definidas”. O salário médio mensal dos trabalhadores formais é de 1,9 salários-mínimos; sendo que o percentual da população com rendimento nominal mensal per capita de até ½ salário-mínimo é de 33,6%!

O operariado manual propriamente dito, uma vez desmantelada a ferrovia como seu centro de gravidade e aglutinação, se diluiu com o tempo no setor comercial, como autônomos ou contratados por firmas, na qualidade de artesãos, peões de obra, mecânicos, montadores, operadores de máquinas, e outros. Sem um espaço comum de organização, sem uma entidade representativa comum, os operários, apesar de ainda constituírem parte relevante da população ocupada (por volta de 30%), hoje identificam-se, e são identificados, como prestadores de serviços.

Em retrospectiva, é possível notar em curso nas últimas décadas um processo de apagamento da história da classe trabalhadora miguelense, bem como de sua consciência de classe. Pois, em algum momento, das plantações à ferrovia, formou-se um povo capaz de identificar no espaço físico e na organização urbana uma produção sua, o fruto do seu trabalho coletivo. Característico das pequenas cidades do interior, compôs-se uma cultura popular com traços próprios e uma forte identidade local ligada à classe produtora. Mas com a privatização da ferrovia, ocorre na cidade sua própria versão de uma “reestruturação produtiva”, junto à qual a memória do processo de formação social da região, compartilhada pela tradição oral, mas também registrada em monumentos físicos pela cidade, foi sendo minada gradativamente; até chegar ao ponto do seu quase completo apagamento no projeto da atual administração pública.

A atual situação de precariedade da classe trabalhadora local, acentuada por sua fragmentação entre o setor comercial e público, recrudesce a já forte herança coronelista e clientelista da cidade a tal ponto que faz da marcante presença do poder público municipal na economia um fator de domínio quase autocrático sobre o povo miguelense. Não apenas os empregos públicos, mas também os da iniciativa privada, necessitam da mediação da Câmara ou da Prefeitura. O mesmo vale para serviços públicos essenciais, como a saúde. O atual cenário é, portanto, de uma cidade loteada, feudalizada, entre os políticos. Não restando às camadas mais pobres da população senão a humilhação de se submeter às vontades deste ou daquele político se quiser botar comida na mesa.

Por fim, sobre a burguesia local, pode-se dizer que em sua maioria ela é composta de pequenos patrões, lojistas, com poucos funcionários, mas numerosa o suficiente para que, em conjunto, empreguem a maioria dos trabalhadores em seus estabelecimentos. Salvaguardado o antagonismo natural e espontâneo do trabalhador diante do patrão, essa pequena burguesia comercial de Miguel Pereira, via de regra, compartilha com os trabalhadores uma “identidade local”, uma cultura. Muitos vêm de famílias de operários, outros foram eles próprios operários. Compõem, assim, junto aos trabalhadores, o “povo miguelense”. O mesmo não se pode dizer de uma burguesia média, já não mais local, dona de redes hoteleiras, de supermercados, restaurantes, etc. A onipresença do Estado, e a onipotência do atual Prefeito logrou inclusive conduzir parte da casta política à condição de médio burguês.

Mas foi em seu segundo mandato, o atual, que o Prefeito abriu as portas da cidade para a grande burguesia das metrópoles. Somente nos últimos dois anos, o poder público municipal investira fortemente no turismo de entretenimento em larga escala. Obras faraônicas foram realizadas apenas para serem concedidas para exploração da iniciativa privada. Lojas Americanas, Lojas Cem, Casa & Vídeo, Domino’s, Lugano, Bob´s, entre outras marcas, além de um gigantesco Parque Temático (de Dinossauros), foram trazidos quase de um só golpe para a cidade. De um só golpe também estrangulando o pequeno comércio tradicional, bem como os trabalhadores, que rapidamente percebem nesses novos estabelecimentos métodos mais avançados de exploração, tornando-se vítimas da extrema informalidade, sem carteira de trabalho (ou com “carteira verde e amarela”), pagos apenas pelo dia trabalhado.